segunda-feira, 7 de junho de 2010

É muito 'muito'



Aluna: 'A minha casa é muita pequena'.

   Uma frase assim é facilmente produzida por um estrangeiro aprendendo português. Tive uma aluna italiana que sempre fazia essa concordância. A questão é que no português nós temos dois muito. Pesquisando a explicação para ensinar para os meus alunos, encontrei que a forma invariável é classificada como advérbio de intensidade e vem seguida de outros advérbios ou de outros adjetivos:

A casa é muito grande.
O hotel é muito grande.
Ele faz a tarefa muito devagar.

   Por outro lado, nós temos:

Nessa cidade, tem muitas casas.
Nessa cidade, tem muitos hotéis.

   É por conta desse muito, que nossos alunos estrangeiros tendem a fazer a concordância: 'ela é muita bonita'. Então, qual a classificação? Na gramática de Bechara (2006, p.138) e também de Azeredo (2008) encontramos esse muito variável na classe dos pronomes indefinidos expressando quantidade indeterminada. Há algumas gramática que fazem umas classificações confusas, e que não dizem muito.
   Pensando em nossos alunos estrangeiros, para os quais nomenclaturas não dizem muito. Podemos dizer que existe:

(1) muito - advérbio que expressa intensidade e não varia. Enfatiza, intensifica alguma característica, qualidade, etc:

Ela é muito (extremamente) linda.
Ele trabalha muito rápido.

(2) muito - pronome indefinido que expressa quantidade indeterminada e é variável. Vem seguido de substantivos (normalmente, eles lembram mais dessa parte):

Eu tenho muitos sapatos.
Meu avô tem muitas vacas.


Por hoje é só. Muito obrigada!
=)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Nós e A gente

    Os pronomes pessoais do caso reto no português são um caso claro da distância entre a GT e o português brasileiro falado. Nos livros de português para estrangeiros, os pronomes que aparecem são: eu, você, ele/ela, nós, vocês, eles/elas. Já o ensino tradicional de língua materna só dá importância para os pronomes que estão na GT: eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas. Sendo que o vós já se aposentou há muito tempo, e tu é mais um caso regional. O ensino de PLE (português língua estrangeira) dá muito mais espaço para a variação (ainda um pouco preso ao tradicionalismo, mas em comparação ao ensino de língua materna, já está bem mais desenvolvido).  
    No entanto, ainda não há tanto espaço para o pronome 'a gente' que funciona semanticamente como 'nós'. Na aula de segunda, eu perguntei para os meus alunos o que significa 'a gente' que estava em uma frase do livro 'Muito Prazer' (Fernandes, Ferreira e Ramos, 2009), eles responderam 'ele, ela, as pessoas'. Não é a primeira vez que tenho essa resposta, quase sempre eles fazem essa interpretação, principalmente os hispanofalantes que pensam em 'la gente' do espanhol, que significa 'as pessoas'. Mas no português 'a gente' já está no quadro pronominal e é amplamente usado no lugar de nós. Então, eu explico que a gente é igual a nós, mas com conjugação de 3ª pessoa do singular.
   Com mais um pronome com conjugação de 3ª pessoa do singular, o paradigma verbal do português brasileiro tem se restringido, então se tínhamos:

Eu amo
Tu amas
Ele/Ela ama
Nós amamos
Vós amais
Eles/Elas amam 

   Agora temos no PB culto:

Eu amo
Você ama
Ele/ela ama
a gente ama
eles/elas amam

   Essa restrição, traz como consequência uma tendência maior a explicitação do sujeito, ou no caso, do pronome (como bem explica Bagno, 2001). Por exemplo, se digo:

(1) Gosto de chocolate.

   Pela morfologia do verbo, recupero a primeira pessoa do singular: eu. Mas, se digo:

(2) Gosta de chocolate.

   A pergunta seria: 'quem?'. E a resposta poderia ser:

(3) Você gosta de chocolate
(4) Ele/Ela gosta de chocolate
(5) A gente gosta de chocolate

   Essa é uma tendência do PB, e por isso acredito que os livros de PLE devem dar espaço para o pronome 'a gente' que é amplamente usado pelos brasileiros, e que os alunos estrangeiros podem fazer outra interpretação.
   Mas o que mais me chamou a atenção nesse exercício do livro muito prazer, foram as seguintes frases para completar:

"Gil: A gente ______ (correr) para o supermercado e depois _______ (levar) pão para minha avó.
Téo: Eu era muito levado. Meu irmão e eu _____ (usar) roupas velhas..."

 Nós dois primeiros espaços completamos facilmente concordando com 'a gente': corria/levava. Mas, no caso de 'meu irmão e eu', para mim soa estranho 'usava', e fica melhor 'usávamos'. Isso me deixou com a pulga atrás da orelha. Acho que é necessário a presença do pronome 'a gente' para que se use o verbo na 3ª pessoa do singular. Mas quero buscar uma resposta para essa pergunta!
=D


domingo, 30 de maio de 2010

Apresentação

Meu objetivo é apenas trazer à tona, algumas (ou várias) questões que meus alunos me fazem pensar  a respeito da gramática (mas não somente, questões culturais, sociais, políticas etc, também são sempre 'cabeludas') da nossa língua. Gostaria de enfatizar que o que estou chamando de gramática é a estrutura que é natural e usada pelos falantes de português do Brasil, e não as regras que são impostas pelos livros e manuais chamados Gramáticas Tradicionais (GT), porém a GT tem sua importância e influência na sala de aula, e por isso aparecerá em algumas discussões.
O ensino de PLE (português língua estrangeira) em muito difere do ensino de português como língua materna. Os brasileiros são, sem sombra de dúvidas, fluentes em sua língua materna, o que eles precisam aprender na escola é a ler e escrever nos mais diversos gêneros textuais e padrões de formalidade. Já os estrangeiros precisam aprender desde do esqueleto da língua, sua estrutura, pronúncia, vocabulário, etc. Por isso, as questões que eles levantam em sala podem deixar qualquer professor (principalmente, nós iniciantes), falante nativo, sem uma resposta imediata. Como passei por isso várias vezes, decidi abrir essas questões, mesmo que acabe falando apenas comigo mesma!
Pretendo assim, melhorar minha prática em sala de aula e também entender melhor a minha língua nativa, o que é totalmente fascinante, pelo menos para mim.
=D